A história da Igreja Católica é marcada por momentos de intensa espiritualidade, mas também por profundas crises políticas e religiosas. Um dos episódios mais curiosos e conturbados ocorreu entre os séculos XIV e XV, quando a cristandade ocidental se viu dividida entre três papas rivais — cada um alegando ser o legítimo sucessor de São Pedro. Esse episódio ficou conhecido como o Grande Cisma do Ocidente, ou Cisma Papal.
O início do conflito: o papado em Avignon
Para entender o cisma, é preciso voltar ao ano de 1309, quando o Pontifice Clemente V transferiu a sede da Igreja de Roma para Avignon, no sul da França. Esse período, que durou quase 70 anos, ficou conhecido como o Cativeiro Babilônico da Igreja, pois os papas passaram a viver sob forte influência dos reis franceses.
Essa mudança geográfica e política gerou críticas crescentes e alimentou a percepção de que o pontifice havia perdido sua independência. Somente em 1377, o papa Gregório XI decidiu retornar a Roma. No entanto, sua morte no ano seguinte desencadeou a crise que daria origem ao Grande Cisma.
Dois papas, duas obediências
Após a morte de Gregório XI, o conclave romano — sob forte pressão do povo local, que exigia um papa italiano — elegeu Urbano VI. Entretanto, sua postura autoritária e pouco diplomática desagradou os cardeais, muitos dos quais franceses. Alegando que a eleição havia sido forçada, esses cardeais anularam o conclave e elegeram um novo papa, Clemente VII, que voltou a instalar a corte papal em Avignon.
A partir de então, havia dois pontífices simultaneamente, cada um com seus próprios seguidores entre os reinos cristãos da Europa. O pontífices de Roma era reconhecido por Inglaterra, Alemanha e a maior parte da Itália, enquanto o papa de Avignon tinha o apoio da França, Escócia, Castela e Aragão.
Aumentando a confusão: o terceiro papa
O impasse durou décadas. Várias tentativas de reconciliação falharam, até que, em 1409, o Concílio de Pisa tentou resolver o problema destituindo os dois papas rivais e elegendo um novo: Alexandre V. No entanto, em vez de unir a Igreja, essa ação agravou a crise. Os pontífices de Roma e Avignon se recusaram a renunciar, e agora havia três papas ao mesmo tempo, cada um com seu próprio séquito de cardeais e seguidores.
Essa situação bizarra e escandalosa colocava a autoridade espiritual da Igreja em xeque e gerava confusão entre os fiéis. A legitimidade do papado estava profundamente abalada.
A solução: o Concílio de Constança
A resolução do cisma só veio anos depois, com a convocação do Concílio de Constança (1414–1418), que contou com amplo apoio dos monarcas europeus e da maioria do clero. O concílio conseguiu um feito histórico: todos os três pontífices acabaram destituídos ou renunciaram — o que abriu caminho para a eleição de um novo papa, Martinho V, em 1417. Ele foi amplamente reconhecido como o único legítimo, encerrando oficialmente o Grande Cisma do Ocidente.
Consequências do Cisma
O episódio teve impactos profundos na estrutura da Igreja. O prestígio do papado foi seriamente abalado, e cresceu o questionamento sobre o poder absoluto dos pontifices. Também fortaleceu o papel dos concílios na governança da Igreja, ainda que, com o tempo, o poder papal tenha sido novamente centralizado.
Além disso, o cisma expôs a tensão entre a fé e a política, mostrando como o pontifice podia ser influenciado por interesses seculares. Essa crise de autoridade também pavimentou o caminho para movimentos de reforma que surgiriam no século XVI, como a Reforma Protestante.

🕰️ Linha do Tempo do Grande Cisma do Ocidente
📍 1309
- O pontifice Clemente V transfere a sede do papado de Roma para Avignon, na França.
- Início do chamado “Cativeiro Babilônico da Igreja”.
📍 1377
- O pontífice Gregório XI retorna a Roma após quase 70 anos com a sede papal em Avignon.
📍 1378
- Morte de Gregório XI.
- Eleição de Urbano VI (em Roma), sob pressão popular.
- Em protesto, cardeais franceses elegem Clemente VII (em Avignon), iniciando o Grande Cisma do Ocidente.
➡️ Dois pontifices: um em Roma (Urbano VI) e outro em Avignon (Clemente VII).
📍 1389–1406
- Sucessão de pontífices rivais:
- Em Roma: Bonifácio IX, depois Inocêncio VII.
- Em Avignon: Bento XIII, que não renuncia mesmo sob pressão.
📍 1409
- Concílio de Pisa tenta resolver o cisma.
- Depõe os pontífices de Roma e Avignon (sem sucesso) e elege um novo chefe da igreja catolica: Alexandre V.
➡️ Agora, há três chefes da igreja catolica ao mesmo tempo:
- Gregório XII (Roma)
- Bento XIII (Avignon)
- Alexandre V (eleito em Pisa)
📍 1410
- Morte de Alexandre V.
- Ele é sucedido por João XXIII (não confundir com o pontífice do século XX), que continua a linha do papado de Pisa.
📍 1414–1418
- Realização do Concílio de Constança:
- Gregório XII (Roma) renuncia voluntariamente.
- João XXIII (Pisa) é deposto.
- Bento XIII (Avignon) se recusa a renunciar, mas perde apoio político.
📍 1417
- Eleição de Martinho V como único pontífice reconhecido.
- Fim oficial do Grande Cisma do Ocidente.